Espaço MEMÓRIA PIRACICABANA

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terça-feira, 7 de agosto de 2018

Marginália


“Marginália” reúne contos, artigos, críticas de Lima Barreto. A crítica a alta sociedade e ao governo do Rio de Janeiro do período (1922) é uma delas (críticas inclusive bem atuais):

“Hotel, 7 de setembro
Li nos jornais que um grupo de senhoras da nossa melhor sociedade e gentis senhoritas inauguraram com um chá dançante, a dez mil-réis a cabeça, o Hotel do Sr. Carlos Sampaio, nas encostas do morro da Viúva. Os resultados pecuniários de semelhante festança, segundo diziam os jornais, das quais as referidas senhoras e senhoritas, agremiadas sob o título de “Pequena Cruzada”, se fizeram espontâneas protetoras.
Ora, não há nada mais belo que a Caridade; e, se não cito aqui um profundo pensamento a respeito, motivo é não ter ao alcance da mão um dicionário de “chapas”.
Se o tivesse, os leitores veriam como eu ia além do esteta Antonio Ferro, que saltou no cais Mauá, para nos ofuscar, com os seus trapos de José Estevão, Alexandre Herculano e outros que tais!
Felizmente não o tenho e posso falar simplesmente – o que já é uma vantagem. Quero dizer que semelhante festa, a dez mil-réis a cabeça, para proteger crianças pobres, é uma injúria e uma ofensa, feita a essas mesmas crianças, num edifício em que o governo da cidade gastou, segundo ele próprio confessa, oito mil contos de réis.  Pois é justo que a municipalidade do Rio de Janeiro gaste tão vultosa quantia para abrigar forasteiros ricos e deixe sem abrigo milhares de crianças pobres ao léu da vida?
O primeiro dever da Municipalidade não era construir hotéis de luxo, nem hospedarias, nem zungas, nem quilombos, como pensa Sr. Carlos Sampaio. O seu primeiro dever era dar assistência aos necessitados, toda a espécie de assistência.
Agora, depois de gastar tão fabulosa quantia, dar um bródio para minorar o sofrimento da infância desvalida, só uma coisa resta dizer à edilidade: passem bem!
Um dia é da caça e outro é do caçador. Digo assim, para não dizer em latim “Hodie mihi, cras tibi”.
Nada mais ponho na carta. Adeus.
Careta, 1922.”

No acervo de João Chiarini encontramos alguns livros de Lima Barreto e todos estão disponíveis para pesquisa.

Vivian Monteiro, historiadora do Espaço Memória Piracicabana.
Pesquisa realizada no acervo João Chiarini.


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