O Espaço Memória
Piracicabana, como já citado, abriga o acervo de João Chiarini, onde estão armazenados
diversos materiais sobre folclore nacional e internacional. Vasculhando esse
enorme acervo, encontrei um antigo Lundu, uma espécie de cantiga que foi
enviada, por Francisco Oliveira Filho, com uma carta à Chiarini em 28/07/1976
para que ele pudesse “observar a influência do antigo escravo africano para
alguma de suas pesquisas sobre o folclore nacional”.
“Lundu de Pai João”,
provavelmente composto no século XIX, após 1837 (pela menção à Casa de
Correção), já contém uma crítica à sociedade branca escravagista. Logo abaixo temos alguns trechos da cantiga onde podemos
ver o personagem relatando situações de seu cotidiano enquanto escravo:
I
QUANDO IÔ TAVA NA MINHA TERA
IÔ CHAMAVA CAPITÃO,
CHEGA NA TERRA DIM BARANCO,
IÔ ME CHAMA – PAI JOÃO.
QUANDO IÔ TAVA NA MINHA TERA
IÔ CHAMAVA CAPITÃO,
CHEGA NA TERRA DIM BARANCO,
IÔ ME CHAMA – PAI JOÃO.
(...)
V
BARANCO – DIZE QUANDO MÔRE
JEZUCRISSO QUE LEVOU,
E O PRETINHO QUANDO MÔRE
FOI CACHAXA QUE MATOU.
BARANCO – DIZE QUANDO MÔRE
JEZUCRISSO QUE LEVOU,
E O PRETINHO QUANDO MÔRE
FOI CACHAXA QUE MATOU.
(...)
VIII
NOSSO PRETO FRUTA GARINHA
FRUTA SACO DE FEIJÃO
SINHÔ BARANCO QUANDO FRUTA
FRUTA PRATA E PATACÃO.
NOSSO PRETO FRUTA GARINHA
FRUTA SACO DE FEIJÃO
SINHÔ BARANCO QUANDO FRUTA
FRUTA PRATA E PATACÃO.
IX
NOSSO PRETO QUANDO FRUTA,
VAI PARÁ NA CORREÇÃO
SINHÔ BARANCO QUANDO FRUTA,
LOGO SAI SINHÔ BARÃO.
NOSSO PRETO QUANDO FRUTA,
VAI PARÁ NA CORREÇÃO
SINHÔ BARANCO QUANDO FRUTA,
LOGO SAI SINHÔ BARÃO.
Pai João representa a figura central de um ciclo de
histórias, contos e Lundus, coletados por folcloristas a partir do século XIX.
O surgimento desse ciclo de tradições orais dessa figura nesse período da
história brasileira se dá de um lado no contexto das lutas abolicionistas e dos
debates da questão racial postos pela Abolição da Escravidão e, de outro lado,
pela inauguração dos estudos folclóricos no Brasil, que se ocuparam em
catalogar parte dessa cultura oral, como os Lundus, contos e cantigas de roda.
O personagem de Pai João em suas cantigas assume por
vezes o perfil do escravo africano sofredor, submisso e resignado, frequentemente
ingênuo e cheio de bondade, fiel ao seu senhor. Em outras ele encarna o escravo
preguiçoso e lerdo, outras, ele é o escravo atrevido, esperto e vingativo.
Todo esse material pode ser consultado na
íntegra aqui no Espaço Memória Piracicabana.
Natália
Severino, aluna do quinto semestre do curso de História da
UNIMEP.
Pesquisa realizada no acervo João Chiarini.
Pesquisa realizada no acervo João Chiarini.
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