“Marginália”
reúne contos, artigos, críticas de Lima Barreto. A crítica a alta sociedade e ao
governo do Rio de Janeiro do período (1922) é uma delas (críticas inclusive bem
atuais):
“Hotel,
7 de setembro
Li
nos jornais que um grupo de senhoras da nossa melhor sociedade e gentis
senhoritas inauguraram com um chá dançante, a dez mil-réis a cabeça, o Hotel do
Sr. Carlos Sampaio, nas encostas do morro da Viúva. Os resultados pecuniários
de semelhante festança, segundo diziam os jornais, das quais as referidas
senhoras e senhoritas, agremiadas sob o título de “Pequena Cruzada”, se fizeram
espontâneas protetoras.
Ora,
não há nada mais belo que a Caridade; e, se não cito aqui um profundo
pensamento a respeito, motivo é não ter ao alcance da mão um dicionário de “chapas”.
Se o
tivesse, os leitores veriam como eu ia além do esteta Antonio Ferro, que saltou
no cais Mauá, para nos ofuscar, com os seus trapos de José Estevão, Alexandre
Herculano e outros que tais!
Felizmente
não o tenho e posso falar simplesmente – o que já é uma vantagem. Quero dizer
que semelhante festa, a dez mil-réis a cabeça, para proteger crianças pobres, é
uma injúria e uma ofensa, feita a essas mesmas crianças, num edifício em que o governo
da cidade gastou, segundo ele próprio confessa, oito mil contos de réis. Pois é justo que a municipalidade do Rio de
Janeiro gaste tão vultosa quantia para abrigar forasteiros ricos e deixe sem
abrigo milhares de crianças pobres ao léu da vida?
O primeiro
dever da Municipalidade não era construir hotéis de luxo, nem hospedarias, nem
zungas, nem quilombos, como pensa Sr. Carlos Sampaio. O seu primeiro dever era
dar assistência aos necessitados, toda a espécie de assistência.
Agora,
depois de gastar tão fabulosa quantia, dar um bródio para minorar o sofrimento
da infância desvalida, só uma coisa resta dizer à edilidade: passem bem!
Um dia
é da caça e outro é do caçador. Digo assim, para não dizer em latim “Hodie
mihi, cras tibi”.
Nada
mais ponho na carta. Adeus.
Careta,
1922.”
No
acervo de João Chiarini encontramos alguns livros de Lima Barreto e todos estão
disponíveis para pesquisa.
Vivian
Monteiro, historiadora do Espaço Memória Piracicabana.
Pesquisa
realizada no acervo João Chiarini.
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